10 agosto 2006

Quando eu morrer...


Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.

Cobre meu corpo frio com um desses lençóis
Que alagámos de beijos quando eram outras horas
Nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
De nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
Ser apenas mais um poema – como esses que eu escrevia
Assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
Tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

Que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
Trazem entre as penas a saudade de um verão carregado
De paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
Brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
Que perfurem a noite – porque a morte deve ser clara
Como sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
Me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
A ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

A ver o mar alto de um rochedo e não chores, nem
Toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
Que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
Como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
Os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
Para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
Na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
Que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
Ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

(( De O canto do vento nos Ciprestes ))

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não precisa se identificar...
Mas gostaria de saber quem é vc... Inventa um nick ai !!!
Vlw pela visita